sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Açúcar - Gustavo Lacombe

Ela só queria um ombro. Queria um abraço amigo. No fundo, apenas alguém que a ouvisse. Com a maquiagem escorrendo nas bochechas e o gosto de sal chegando na língua, levantou-se da cama e viu o travesseiro sujo. O quarto, agora abafado, parecia ser um cárcere. Foda-se, pensou. Era melhor ficar sozinha mesmo. Eles nunca entenderiam todos os motivos que fizeram desistir dos amores. Quando se tocou que nem os amigos retornavam as ligações, se perguntou se realmente era amiga de algum deles. Pensou, foda-se, de novo. Caminhou até o banheiro e viu a silhueta no espelho. Se achava gorda, mas devia ser só a TPM mesmo.

Já sentindo o frio do piso naquele ambiente, abriu o chuveiro e esperou a água esquentar. Enquanto isso, se voltou novamente para o espelho. Pelo menos ali só aparecia o rosto. Não que fosse bom, mas era uma parte menor do corpo para se revoltar. Pensou em trinta jeitos de mudar o cabelo em um segundo. Checou o celular que trouxe na mão e, além de alguns e-mails de publicidade e notificações sem sentido no Facebook, nada acontecera. Quanto tempo será que dormiu? Fez as contas olhando pro relógio do aparelho e mal acreditou no resultado. Quatro horas no meio de uma tarde e depois de muito choro. Ela estava acabada, mesmo depois de tanto descanso.

Ao sentir os primeiros pingos no corpo, começou a rememorar o que realmente houve. Já sem toda a carga emotiva da situação, conseguiu refazer os passos que culminaram na sua derrota. Pôs as mãos no quadril e sentiu dor. Reparou na marca que já se tornava roxa. Piranha, falou baixinho. Continuou. Se ensaboou com calma. Fechou a água e sentou no chão. Não sabendo mais de onde vinha mais suas forças e nem de onde poderia renová-las, chorou mais. Quando se encontrava inerte naquela posição, alguma coisa vibrou do lado de fora. Uma mensagem chegava. Ela leu e, no instinto, o jogou na parede. Com a bateria, o chip e outras partes espalhadas pelo chão, reabriu a água e tirou o sabão. Shampoo, óleo para pele e foi cumprindo o ritual. Se a alma estava no bagaço, pelo menos o exterior teria que estar em melhor condições.

Se enxugou, colocou uma roupa e foi, de novo, se olhar no espelho. Maldito espelho, falou pro reflexo. O vestido que julgou pequeno estava, realmente, pequeno, mas na medida. Até que não estava tão gorda assim. Não estava, mas vai entender as mulheres nos dias em que resolvem ser do contra. Refez a maquiagem, colocou um lápis de olho, batom, tirou o salto alto e riu. Era a primeira vez que ria em horas, mas é que estranhou se vestir daquele jeito. Depois de tanto tempo, ela se sentia uma vadia, uma periguete que saía para atacar. Se o dia tinha sido o pior de muito tempo, a noite teria que ser perfeita. Força ela não tinha e mal sabia como se equilibrava naquela altura, mas tinha decidido não ficar em casa, não olhar os porta-retratos, não admirar a mesa onde por tanto tempo dividiu sua vida com alguém. Hoje era dia de ser diferente.

Saiu, trancou a porta e chamou o elevador. Aí, se lembrou do vizinho. Ah, muito clichê, pensou. E era mesmo. Mas por que não poderia dar certo? Só pra variar, pensou: foda-se. Voltou em casa e de salto alto, maquiagem e vestido curto, pegou a primeira xícara que viu e bateu na porta do cara.

- Eu queria uma xícara de açúcar...

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